Ela andava sozinha pela cidade, levava uma bolsa, um batom e um sobretudo preto caído
sobre o braço direito. Caminhava lentamente, cada passo ritmado pelas gotas que
brotavam da sua face negra como a noite. Sua bolsa portava os mistérios de uma
vida de mártir. Um passo, lágrima, dez passos e os transeuntes já notam seu choro
compulsivo, que era acompanhado por soluços contidos. Muitos pensamentos
forasteiros: “talvez esteja de luto”, “talvez seja recém separada”, “ela deve
estar com dores”, “será que foi assaltada?”. As pessoas pensam sobre as outras
o que deixam de pensar sobre elas mesmas. Somos tomados de assalto pela vida, isto
nos aflige ou excita, mas sempre nos expõe ao improviso. Bárbara não ensaiou
sua saída de casa, quando recebeu a mensagem encontrava-se na rua, enredou-se
nos acontecimentos posteriores. Olhava no céu apenas a sua parte branca, as
nuvens podiam ser algodões, carneirinhos, ovelhas ou um tom de pele da qual ela
jamais se beneficiaria. Mas por quê a atendente da loja a chamou de preta-pobre
tão gratuitamente, se não tivesse pagado o produto ela ainda não teria tal
direito. Sim, direito. Ela cometeu um crime, e ficou por isso mesmo, quem saiu
humilhada da loja foi Bárbara, ainda com as roupas novas. Pagou pela humilhação
e só se deu conta depois. Será que a classe social realmente supera o racismo?
A dor em Bárbara permaneceu, nada mudou, sentiu-se até pior. Bárbara é sozinha
no mundo, foi se dar um presente na noite de Natal. Famílias reunidas, casas
cheias, músicas natalinas, mesas fartas. Bárbara foi ao seu quarto, vestiu um
dos vestidos, o vermelho como o sangue que corre em todas as veias. Era Natal e
ela não estava apenas solitária, mas novamente ferida pela racialidade que
domina o coração da humanidade. Bárbara pensou neste dia como uma grande
fantasia, talvez devesse reclamar com Papai Noel.
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domingo, 10 de dezembro de 2023
O Sentido do Natal na Pele
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