Leonardo da Vinci |
Lavei
as roupas guardadas no baú da sala de visita. Camisas, vestidos, shorts, saias,
calças, para todos os gêneros, para toda espécie de visita. A vitrola rodava o
som de lamento do Tim Maia, enquanto eu tomava banho num chuveiro ralo e frio,
talvez para esfriar algumas ideias sobre minha morte súbita. Sim. Seria um
final silencioso e vazio, como a vida que tenho vivido ultimamente, sem
diálogos profundos, sem acolhimentos, sem perspectivas. Uma cigana me falou uma
vez que eu iria morrer no ostracismo, ela queria ler minha mão e fechei o punho
com força, estendendo o braço num ato quase violento. Praga. Ainda vivo, mas
não sei se estou viva ou morta, uma morta que ainda respira. Respira a dor da
humanidade que me domina corpo e alma; respira o som inócuo do ser humano
indiferente à minha existência; respira o efeito de toda a maldade humana, o
desprezo, o sarcasmo, o perjúrio, a injúria, a difamação, o desamor. Ainda
estou debaixo da água do chuveiro, e tento respirar. O sangue vai minando dos
pulsos, a batida do coração vai desacelerando. Ainda quero viver, mas o impulso
de morte foi maior, o poder cruel da humanidade foi mais forte sobre a outra
pulsação, sobre o desejo de viver. Ainda penso que amo a vida, pareço estar
arrependida dos cortes, mas cada gota de sangue que sai do meu corpo é uma
cicatriz que se esvai, a dor da morte é menor do que as feridas abertas da
vida. Nada mais vai mudar nesta vida. Não há esperança de socorro, ninguém vai
tocar a campainha. Quando meu corpo frio estendido no chão do banheiro for
encontrado, ao menos o baú de roupas estará disponível na sala, para todas as
espécies de pessoas, para todos os gêneros, sem nenhuma exclusão. Na minha
lápide quero o escrito: o amor morreu neste pequeno mundo.
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