Não Ponha todos os Ovos no Mesmo Cesto

                           

 Que flor é aquela 
que Arabela molha
É uma flor amarela.
(Cecília Meireles)

Arabela era uma menina feliz: o sol nascia e ela sorria. Todo dia o amanhecer era uma prenda, apesar de ela estar presa num ambiente tumultuoso. Sua família era tradicional e abastada, pareciam ser todos vencedores, e o que significa ser um vencedor na história teleológica da civilização ocidental?! Arabela não tinha grandes pretensões na vida, era negra e bela como uma noite misteriosa que abraça sua própria escuridão. O sol não era seu único companheiro, era jardineira convicta dos seus girassóis. Um dia saberia o que era o amor, junto com ele a destruição, pois tudo que é proibido faz o corpo arder em chamas, o desejo se tornar algo irreversível e a alma romantizar os finais mais felizes. Quem seria seu amor?

O século é XXI: amores líquidos, nudes, mensagens instantâneas, áudios eróticos, não monogamia, transexualidade, pansexualidade, trisal, suruba, o cardápio é diversificado. Arabela na janela da vida a contemplar o amor verdadeiro, um amor raiz. Por que não pertenceu aos anos 50?  Namoro, noivado, pedido de casamento? Apaixonara-se por alguém desse século? Sem compromisso? Enfrentou a família, os pais, os irmãos, tios e tias, para passar vergonha diante daquela traição. Arabela foi expulsa de casa, uma adulta ainda em construção, uma menina-mulher. Morou sozinha, o amor partiu, viajou com sua amiga traidora, depois disso sua vida amorosa foi ladeira abaixo. Agora precisa se sustentar, desprezada pelos seus opressores.

Os opressores querem a presa por perto: todo opressor é um grande predador, eles se alimentam das fraquezas das vítimas, e toda presa é um vítima camuflada, que se beneficia do ímpeto dessas feras. Arabela nasceu da poesia, parto Ceciliano, sua leveza e serenidade incomodavam a selvageria dos capitalistas, desta forma foi sabotada na escrita da vida, sua irreverência era um destempero para a família, teria que fracassar, morrer na sarjeta. Sair de casa com uma mão na frente e outra atrás, para esconder a hipocrisia de uma família que vivia de aparência, de conquistas materiais, segredos sórdidos e mentiras. Cabia a Arabela herdar todo a podridão para limpar o nome dos seus.

 Nem tudo que reluz é ouro: Arabela foi ao fundo do posso, mas podia ter sido amparada. Desempregada, buscava trabalho condizentes com sua formação. Não obtinha sucesso, parecia praga de família, a sensação que tinha era de ser sempre sabotada. No entanto, aquele tempo havia acabado, ela morava em sua casa, sozinha e distante de todos. Raramente visitava um ente, quando o fazia testemunhava uma nova conquista, um carro novo, uma casa nova, uma viagem cara para o exterior, um passeio de avião para outro estado. E ela na sua condição miserável. Arabela possuía um única riqueza, conversava com pássaros e sabia dar asas à imaginação. O que ninguém sabia é que ela havia feito um pacto para tornar sua arte realidade, pois cada palavra e frase que colocava no papel virava uma oração. Ela fora desprezada pelos vivos e abençoada por Deus. Arabela era a senhora dos destinos, a escritora sentada ao lado do pai celestial. Renascera muitas vezes das cinzas, mas não fizera do verbo condenação. Tal sina seria sentença ou lição?!    






Comentários

Postagens mais visitadas